Política

Massacre de Ipatinga completa 60 anos da matança e de impunidade

Há exatos 60 anos, completados no sábado (7), a Polícia Militar dissolveu a tiros de metralhadora uma concentração de trabalhadores da Usiminas e de empreiteiras. O resultado foram oito mortos, algumas dezenas de feridos e dois desaparecidos. Julgados no início da ditadura, os responsáveis não foram punidos até hoje. A matança ficou conhecido como Massacre de Ipatinga.

Confira abaixo o artigo do jornalista Marcelo Freitas, exclusivo para o site ALÉM DO FATO. Ele é autor do livro “Não foi por acaso: a história dos trabalhadores que construíram a Usiminas e morreram no Massacre de Ipatinga”.

Massacre de Ipatinga– uma construção coletiva do conhecimento

Marcelo Freitas

Há exatos 60 anos, no final da manhã do dia 7 de outubro de 1963, uma segunda-feira, a Polícia Militar dissolveu a tiros de metralhadora uma concentração de trabalhadores da Usiminas e de empreiteiras que atuavam na construção da usina, em Ipatinga, no Vale do Aço. O resultado foram oito mortos, algumas dezenas de feridos e dois desaparecidos.

O Massacre de Ipatinga – o maior conflito trabalhista da história brasileira – é uma sequência de acontecimentos que começa no final da noite do dia 6 de outubro, quando um trabalhador da Usiminas foi espancado na troca de turnos; entra pela madrugada afora, no alojamento Santa Mônica, quando a Polícia Militar, também com violência, prende cerca de 300 trabalhadores e os leva para o quartel da corporação em Ipatinga; e termina no final da manhã do dia 7, quando os trabalhadores recusam-se a entrar para o trabalho e se concentram em um dos portões de entrada da usina. No final da manhã do dia 7, a concentração foi dissolvida a tiros.

Há seis décadas, jornalistas e historiadores se dedicam à árdua tarefa de desmontar o quebra-cabeça que foi o Massacre de Ipatinga. Várias das peças que compõem este jogo já foram colocadas em suas devidas posições. Outras ainda estão por serem colocadas.

A construção do conhecimento acerca deste triste acontecimento é uma obra coletiva que começou a ser montada no final dos anos de 1970, quando o jornal alternativo “Em Tempo” publicou uma série de reportagens sobre o assunto. Mais ou menos nessa época, o jornalista Carlindo Marques Pereira lançou o primeiro livro sobre o tema. Foram peças de extrema importância para o início da construção do conhecimento sobre este triste acontecimento.

Em 1989, enquanto repórter do jornal “Hoje em Dia”, fiz minha primeira incursão sobre o assunto, sob a ótica dos sobreviventes. Quatorze anos depois, em 2003, já como repórter do jornal “Estado de Minas”, voltei ao assunto. Na época, havia a expectativa de que o governo Lula abrisse, como realmente abriu, a possibilidade para que familiares de pessoas que morreram em conflitos de rua durante a ditadura pudessem reivindicar o pagamento de indenização. Voltei novamente ao Vale do Aço e contei a história do Massacre de Ipatinga, desta vez sob a ótica das famílias que perderam seus entes queridos.

Em 2006, no Mestrado da PUC Minas aprofundei meus estudos acerca do assunto. Foi aí que pude compreender suas causas mais distantes e o contexto em que tudo ocorreu. Essas informações foram reunidas por mim no livro “Não foi por acaso: a história dos trabalhadores que construíram a Usiminas e morreram no Massacre de Ipatinga”, que publiquei em 2008. Mais ou menos nesse mesma época, a historiadora ipatinguense Marilene Tuler publicou outro livro: “O Massacre de Ipatinga: mitos e verdades”. Nessa publicação, ela dissecou o acontecimento utilizando como fonte primária dois documentos muito importantes: o inquérito policial e o processo judicial.

Número de vítimas

Em 2016, como consultor da Comissão Estadual da Verdade (Covemg), avancei na busca de uma informação mais consolidada sobre o número total de vítimas. Como ninguém, além dos familiares das vítimas que estavam na lista oficial de mortos, apareceu para solicitar indenização do Estado Brasileiro, passou a haver um consenso entre os que estudam o Massacre de Ipatinga, de que o número oficial de mortos é mesmo de oito.

Só que em relação ao número de feridos, havia uma informação nova: a descoberta de uma segunda relação de feridos, que não constava na lista que foi anexada ao Inquérito Policial Militar (IPM). Nela, constam 68 feridos, que foram atendidos nos hospitais da região após os disparos. Porém, do IPM, não fez parte a lista dos que foram atendidos no ambulatório da Usiminas em consequência dos acontecimentos da noite do dia 6 e manhã do dia 7 de outubro. O cruzamento das duas listas resultou em um total de 92 feridos. Esse cruzamento resultou em algo bizarro: houve pessoas que foram feridas duas vezes.

Além dos 92 feridos e oito mortos, há também dois desaparecidos: Gesulino e Fábio, que vieram de Itabuna, na Bahia, para trabalhar na construção da Usiminas e estavam na concentração em frente a um dos portões de entrada da usina na manhã do dia 7 de outubro. Gesulino e Fábio foram para o Vale do Aço junto com um amigo, que preferiu voltar para Itabuna. Lá relatou o que aconteceu com os dois amigos.

Arapongas da Usiminas

Esta é a trajetória da construção do conhecimento acerca do Massacre de Ipatinga até aqui. Porém, há uma nova pedra a ser colocada no quebra-cabeça. É a do arquivo secreto dos arapongas da Usiminas, que vasculharam a vida de trabalhadores da empresa nos anos de 1960 e 1970 e produziram um relatório minucioso de como era o mundo do trabalho no Vale do Aço durante a ditadura.

O problema é que esse relatório está sob sigilo de cem anos, imposto porque, segundo consta, os arapongas avançaram o sinal e descreveram também como era a vida privada dos trabalhadores da empresa. Sua divulgação poderia causar constrangimentos a dezenas, talvez centenas, de famílias do Vale do Aço, segundo consta na argumentação para que se mantenha o sigilo sobre os documentos. Conseguir a liberação de tais documentos será a próxima etapa da construção do conhecimento coletivo sobre o Massacre de Ipatinga e os acontecimentos que o cercam.

Orion Teixeira

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