Fernando Martelleto*
O dia 19 de maio foi oficialmente instituído como o Dia Nacional da Defensoria Pública (Lei nº 10.448, de 09/05/2002) para homenagear as Defensoras e os Defensores Públicos, servidores de carreira concursados que se dedicam a proporcionar o direito fundamental dos cidadãos carentes à justiça e ao exercício pleno da cidadania.
A escolha da data é uma homenagem ao falecimento de Santo Ivo (Ivo Hélory de Kermartín), em 19 de maio de 1303, na França, imortalizado como o defensor dos pobres, órfãos, viúvas e outros menos afortunados contra as pessoas mais poderosas, daí a razão de ser considerado o patrono dos Defensores Públicos.
A inserção da Defensoria Pública na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 134, como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, revelou a clara opção adotada pelo legislador constituinte originário por um modelo público de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovam insuficiência de recursos ou se encontram em situação de vulnerabilidade, à qual foi incumbida, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados.
A nova concepção de acesso à justiça por meio da Defensoria Pública, inovando os métodos e instrumentos de solução de conflitos individuais e coletivos, tanto na esfera judicial quanto extrajudicialmente, buscou romper com o arcaico e ineficiente sistema de assistência judiciária (bem mais limitada que a assistência jurídica) até então vigente na lida forense e que ainda hoje perdura na grande maioria das unidades judiciárias, prestada de forma precária e não raras vezes até mesmo de modo abnegado por estudantes nos núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito, servidores públicos municipais em desvio de função para atender interesses políticos locais e advogados dativos nomeados pelos próprios juízes encarregados de julgarem as causas, neste último caso, com elevados custos para o erário, pois quem paga os honorários dos dativos, arbitrados pelos juízes que os nomeiam, é a sociedade.
Passados mais de 25 anos de vigência da chamada Constituição Cidadã, o legislador constituinte derivado editou a Emenda Constitucional nª 80, promulgada em 04 de junho de 2014, buscando dar concretude material ao comando constitucional inserido no seu art. 5º, inciso LXXIV, para que o Estado efetivamente preste assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, e, para tanto, assegurou à instituição Defensoria Pública a mesma autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de proposta orçamentária conferida aos demais órgãos do Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) e as outras instituições constitucionalmente autônomas (Ministério Público e Tribunais de Contas), de forma compatibilizada e dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, a fim de que pudesse se estruturar e dotar a carreira de número suficiente de membros e de servidores de apoio necessários ao gigantesco desafio de cumprir sua missão constitucional, sobretudo em um país majoritariamente de pobres como é o Brasil.
Ainda pela redação da EC 80/2014 foi determinado no art. 98 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que o número de defensores públicos na unidade jurisdicional será (comando impositivo) proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população; que no prazo de oito anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, e, por fim, que a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional.
Diante da proximidade do encerramento do prazo de oito anos determinado pela EC 80, já no próximo dia 04 de junho deste ano, a atual situação estrutural das Defensorias Públicas dos Estados apresentada no último diagnóstico realizado em 2021 pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP), em conjunto com as associações estaduais, e em especial a Associação das Defensoras e Defensores Públicos de Minas Gerais (ADEP-MG) – Diagnóstico Institucional da DPMG – uma análise estrutural da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais e o desafio para o cumprimento da EC 80/2014 – disponível em www.adepmg.org.br -, revela que, em média, apenas 40% do território nacional contam com pelo menos um defensor público.
Certo é que o maior empecilho ao crescimento institucional da Defensoria Pública se deve à deliberada ausência de previsão legal de um percentual a ela destinada na repartição dos limites globais de receitas, como conferido aos demais órgãos do Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) e às outras instituições constitucionalmente autônomas (Ministério Público e Tribunais de Contas) na Lei de Responsabilidade Fiscal.
O tratamento orçamentário que a Defensoria recebe em face das demais instituições e órgãos do Poder é desarrazoado e odiosamente inferior, bem como é absolutamente insuficiente para cumprir a sua missão constitucional, a exigir melhor distribuir dos recursos públicos entre os entes autônomos, notadamente entre aqueles em que se apoia o tripé da justiça (Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública), todos igualmente tratados na Constituição Federal quanto à estrutura de funcionamento, forma de provimento e organização da carreira, isonomia remuneratória de seus membros e prerrogativas para o exercício da função. Não é justo que o estado-julgador e o estado-fiscal-acusador tenham tratamento privilegiado em relação ao estado-defensor, de modo que a balança da justiça penda sempre para o lado dos mais poderosos, situação contra a qual Santo Ivo nos inspira a lutar.
Ao se comemorar neste dia 19 de maio mais um Dia da Defensoria Pública e se reverenciar a história de vida do seu patrono, o Glorioso Santo Ivo, apóstolo da caridade e precursor do acesso dos pobres e desvalidos à justiça, que se possa também reafirmar o pacto constitucional da isonomia de tratamento das carreiras do sistema de justiça, de modo que o direito fundamental dos cidadãos carentes de acesso à justiça e ao exercício pleno da cidadania não seja apenas retórica jusfilosófica, mas efetiva política pública para a consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, de construir uma sociedade livre, justa e solidária; de garantir o desenvolvimento nacional; de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; e, sobretudo, de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; pois, onde há Defensoria, há justiça e cidadania.
(*)Presidente da Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos de Minas Gerais (ADEP-MG)
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