Economia

Aprosoja tratora Zema por manutenção da Lei Kandir

Aprosoja Brasil (Associação Brasileira dos Produtores de Soja) tem mais consistência e organização política que o governador Romeu Zema (Novo) para caminhar labirintos de Brasília. Incontestável. Contudo, por precaução, os sojicultores chegaram primeiro à estação. Ocuparam as fileiras das poltronas A+A, em vagão da primeira classe. Em pastas de veludo, gráficos convincentes pela manutenção da Lei Kandir, se vier o novo (ou remexido) “pacto federativo”. Ela isenta do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) as exportações de commodities. As estatísticas da associação apontam, para o alto, mais de meia centena em bilhões de reais que o agronegócio (agribusiness) agrega ao país. Graças à Lei.

Lobby é só com notícia boa

Nesta viagem, a Aprosoja Brasil só exibe coisas boas. Enquanto Zema, pela derrubada da Lei Kandir, carrega tralhas – problemas. É administrador público que recebeu, de Fernando Pimentel (PT), faixa bordada de caos.

O governador não é do ramo da política. Para piorar, o quadro da administração não é uma ‘brastemp’. Então, pressionado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, aceita a imposição: vender mal a única estatal do top ten, a Cia. Energética de Minas Gerais (Cemig). Hoje, entregaria por menos ou pouco mais de dezena de bilhões reais. Pode até subir, porém, ficaria abaixo de uma dezena. E, olhando para cima (como se faz na Aprosoja), venderá mal, na bacia das almas.

Aprosoja convence nos bilhões do agro

O jogo começou perdido para Zema. A Aprosoja tem tutano no Valor Bruto da Produção (VBP), que corresponde ao faturamento bruto dentro da propriedade rual – janeiro/2019. Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA.

  • R$ 570,31 bilhões (safra 2018)
  • R$ 564,32 bilhões (safra 2019)
  • Agricultura: R$ 383,97 (safra 2018)/ R$ 372,07 (safra 2019)
  • Pecuária: R$ 186,35 (safra 2018)/ R$ 192,24 (safra 2019)

Nessa maratona por Brasília, a Aprosoja chegou numa passada. A sede é lá. Zema ainda não embarcou. Portanto, para o time da soja, é só dividir a corrida do UBER até o Congresso Nacional e aos ministérios da Economia e MAPA.

Falta “boca de pito” ao Secretariado

Mesmo sendo do comércio (e com MBA na Fundação Dom Cabral – FDC), o governador não consegue pensar uma regra três simples. O Secretariado não apresenta uma análise combinatória de saída favorável. Os secretários escolhidos não formam um pool de gestores de soluções na velocidade que a crise exige. Seriam todos “técnicos” – discurso de campanha. Mas, caiu na velha cartilha política da reza franciscana, do “é dando que se recebe” – prática de currais.  

Zema ainda irá à Brasília? Pelo lentidão da charrete, chegará atrasado, ou parou. Ajoelhado diante da torneirinha dos pagamentos do ministro Paulo Guedes, o governador virou presa fácil. Mas, pecou bem antes, ao acreditar no imaginário legado de Pimentel: o Estado receberia R$ 135 bilhões na mercearia Kandir, por compensação nas isenções do ICMS nas exportações. Minas tem “direito”, escudou o Supremo Tribunal Federal (STF). Acreditar na hipótese de pôr as mãos nessa bolada, será com Papai Noel no coração de Wall Street, praça celestial do capitalismo, saindo carregado de bondades do mercado acionário.

Zema só precisa publicar sua rendição. Aceitar o óbvio. Além de não ter molejo político, formou uma equipe (governar é em equipe) pífia em matéria que Minas foi Sorbonne brasileira: negociação no oitão do Congresso. Na “boca de pito”.

Viés do prefeito Kalil

Curvado, Zema não arranja uma regra de três simples. Se vender o que o Estado tem de ações no capital social da Cemig, levará para casa alguns R$ 4 bilhões (Secretaria do Tesouro Nacional – STN). Se pintar bom ágio (disputa frenética entre investidores), até dobra. Na primeira hipótese, liquidaria duas folhas de salários dos servidores. Na segunda, quatro. E fim!  

Mas qual seria e a regra de três? Poderá até não pintar um negócio da China, porém, é possível algo melhor que bula de Paulo Guedes. O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (empreiteiro e também privatizante), ao ALÉM DO FATO, em julho, arriscou uma. Sugeriu a Zema, em dívida com os municípios (retenção do ICMS), antecipar com o Tesouro R$ 5 bilhões para abater, futuramente, na conta Kandir. Assim, desafogava as municipalidades. Ou seja, quase que arranharia a expectativa de “boa venda” dos papéis da Cemig. E, de quebra, manteria um ativo que sempre provém dividendos. Daí para frente, seria incorporar um fantasma de governador (dos que vagueiam solitários pelos assoalhos do Liberdade) e procurar entender o jogo político.

Mantendo peito aberto pela venda da Cemig, o governador enfrenta dois dragões, a um só tempo. Um se veste de povo, que, nas urnas, cospe o fogo dos espertalhões num ramo em que Zema ainda não trocou a primeira fralda. O outro, tocaiado no plenário da Assembleia, encarna a Hidra de Lerna, não de quatro de serpentes, mas de 77. Em cada cabeça um jogo. Contudo, também jogam unidas pelo bem do corpo(rativismo) que as conduz.

Se não houvesse estímulo ao plantio, gerado com a isenção da Lei Kandir, Governo deixaria de arrecadar R$ 17 bilhões em impostos com a soja. É o que aponta estudo encomendado pela Aprosoja – Foto: Reprodução/ Redes Sociais

Aprosoja tem números encantadores

Em todos os partidos, há, ao menos, um latifundiário. A associação serve café da manhã para os parlamentares com doces de leite e queijos mineiros. Saem de fazendas da Serra da Canastra e do Alto Paranaíba, quintais de origem dos negócios do comércio da familia Zema. Missão única da Aprosoja: provar que, para o bem do agribusiness nacional, do país, a Lei Kandir precisa ser preservada dentro do “pacto federativo”.

O lobby é de multitarefas: na Comissão de Agricultura no Congresso, Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e até em cima dos deputados e senadores de outras bancadas. Todos nutrem gulas pela mesa mineira. É onde a “boca de pito” funciona.

Os pesos-pesados da soja recepcionam deputados e senadores do aeroporto aos gabinetes. Carregam uma academia de estudos. De momento, se valem de estudo (encomendado, claro) da consultoria MBAgro. Sem a lei de isenção das alíquotas do ICMS nas exportações, em vigor desde 1996, a soja brasileira teria safras 34% menores (seriam 39,3 milhões de toneladas a menos que as 115 milhões colhidas em 2017). As exportações, menos 30,3 milhões de t, em 2017.

O estudo aponta como muito importante a metamorfose da isenção do ICMS em estímulo ao agricultor (grandes corporações, na verdade). Sem mecanismo assim, ocorreu o oposto na Argentina, de 2002 a 2017: as “retenciones” nas guias de exportações frearam o plantio da soja sustenta a MBAgro.

Deixaria de arrecadar R$ 23 bi no agro

Para dourar melhor a mesa, farta em queijos e doces de leite mineiros, a Aprosoja e companhia vão aos números, em reais. Sem a desoneração do ICMS, o PIB da agropecuária teria perdido R$ 50,4 bilhões na “produção de soja” e, com bovinos de corte, R$ 19 bilhões. Com a pecuária de corte, as perdas nos embarques, se fossem tributados, seria de 24% na produção.

O Brasil, estimou a MBAgro, sem a Lei Kandir, teria perdas de arrecadações de impostos de R$ 17 bilhões na soja e, R$ 6,4 bilhões, com a carne bovina.

Aprosoja fará ações nos Estados

As próximas paradas dos monstros sagrados (do dinheiro) da Aprosoja Brasil, com sede no Lago Sul, na Capital Federal, serão os Ministérios da Agricultura e da Economia.

Na quinta-feira (10/10), o “Broadcast Estadão”, que explorou bem o estudo da MBAgro, deu leitura límpida para o cenário que predomina no ambiente da Lei Kandir: “A Aprosoja Brasil trabalha ainda junto às associadas nos Estados e a outras entidades do agronegócio para que reforcem junto aos senadores e deputados federais dos seus Estados a importância de que a exportação de produtos agropecuários permaneça isenta de tributação”. Nesta semana, a associação seguirá com o lobby em Brasília.

O STF, portanto, fez enorme maldade (antes de Pimentel) ao sagrar com suas trombetas que Minas “tem direito” a R$ 135 bilhões da Lei Kandir. Pode até ter. Contudo, receber é outro julgamento.

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Nairo Alméri

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