Jair Bolsonaro, presidente da República, não faz simples barricada pelo retrocesso à cédula eleitoral de papel (“voto impresso”) em 2022. Briga por uma reeleição a qualquer custo. Pouco importa, portanto, se promoverá retrocessos como o de recriação de uma Proconsult. Então, não hesitará em semear casuísmos.
Nessa obsessão cega, olha o país como um cadilho que toca um bando de trouxas serviçais. Quer, sempre, impor suas vontades. Tudo por goela abaixo.
Justifica a volta do voto no papel como blindagem contra uma imaginária fraude eleitoral futura. Mas, é um fantasma que só ele enxerga, inspirado em Donald Trump (Republicano), presidente Estados Unidos, em final melancólico de mandato. Porém, a exemplo de Trump, não constrói verdades. É evasivo nos ataques aos sistemas de votação e apuração eletrônicas, iniciadas no país em 1989, em Brusque (SC). Alega que, somente a cédula papel possibilita recontar votos.
Bolsonaro investe, porém, contra métodos pelos foi vitorioso, em 2018. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não precisou reprocessar totalização de votos. Além disso, os sistemas do TSE são elogiados por democracias referenciais do planeta, tanto na segurança quanto rapidez das apurações.
Mas, na verdade, a única explicação para a preocupação de Bolsonaro é sua autoavaliação. Concluiu que ser produto exclusivo de uma antipatia singular, que soube, como ninguém, construir em dois anos. Confuso. Sempre montado em discursos truculentos, ofensivos e intimidadores. Repudia, sem trégua, princípios elementares da democracia.
Portanto, para tocar sua causa, segue fiel ao jogo do desastrado ídolo Trump, que, na semana passada insuflou a pilhagem do Capitólio. Sua máxima loucura diante da inaceitável derrota para Joe Biden (Democrata). Pela primeira vez, portanto, na história dos EUA, um presidente quis golpear a democracia mais longeva do planeta.
Trump, então, fez seu autorretrato de figura mais patética que aquela da entrada na Casa Branca, em 2016. A tentativa do golpe contra a Constituição não vingou. Por conta disso, então, viaja rumo à galáxia dos políticos do esquecimento. Mesmo assim, segue louvado por Bolsonaro. Este ainda repete aquilo que nem Trump suporta ouvir mais: vitória de Biden foi uma fraude.
Enfim, o roteiro de Trump é o que resta a Bolsonaro como inspiração para tentar frutificar, com dois anos de antecedência, o clima de golpe eleitoral futuro. Daí, a pregação para asseclas, de que, se não vencer no retorno da cédula impressa, o mundo poderá assistir cenas mais graves que as do Capitólio. “Sem voto impresso em 2022, vamos ter problema pior que dos Estados Unidos”.
Portanto, tal qual o sem-rumo da Casa Branca, o capitão da reserva, também, inflamou simpatizantes com a senha de ódio medieval. Da porteira do Alvorada, instruiu que combatam a tudo que abomina:
E cabe perguntar, por exemplo:
Bolsonaro aceitará facilmente eventual derrota em votação eletrônica?
Até antes de 1989, 100% das urnas com cédulas e retorno dos mapas aos centros de apuração, por este imenso Brasil, faziam trajetos por rodovias, rotas aéreas e de barcos. Eram comuns relatos de extravios (ou achados) de malotes dos TREs.
E ficava por isso mesmo!
O vice, general Hamilton Mourão pula de paraquedas no jogo do capitão. Assegura não haver adversários para 2022.
Todavia, o presidente, também paraquedista, adquiriu medo das eleições via urnas eletrônicas, muito mais seguras que as dos votos em papel.
Mas, Bolsonaro estaria, por acaso, tentando desviar atenção da opinião pública de algo grave? Prestes a emergir?
Por enquanto, o presidente poupa o Congresso Nacional. Outro casuísmo: precisa eleger aliados como presidentes do Senado e Câmara dos Deputados. Pois, só assim aumentará chances de um retrocesso ao voto no papel.
Contudo, se perceber que perderá em mais uma investida de cabo eleitoral, o chefe do Planalto sacará o plano B. Turbinará a temporada de traições às orientações de partidos opositores. A costura segue a antiga e infalível bula franciscana de Brasília: “é dando que se recebe”. Senadores e deputados serão convocados para um pente-fino em mapas dos cargos federais – de ministros até garagista-chefe no cais do porto. Só precisam, então, deixar os CPFs dos apadrinhados.
A literatura do Congresso é farta em cases de sucesso desse business fisiológico. Por conta do longo período como deputado federal, Bolsonaro conhece bem todos enunciados.
Maia acusa Governo de prometer R$ 20 bilhões em emendas por votos na eleição da Câmara
Novembro de 1982. Retorno das eleições diretas para governadores, ainda sob chibatas da ditadura militar, iniciada em 1º de abril de 1964. O último pleito livre para governador fora em 1965. A ditadura se encerrou em março de 1985.
O ex-governador Leonel Brizola (PDT), chegado do exílio três anos antes, era candidato de oposição mais forte no Estado do Rio de Janeiro. Simbolizava, portanto, em todo o país, a maior oposição aos generais.
As pesquisas indicavam sua vitória. Mas, a apuração apresentada pela empresa contratada, a Proconsult, o colocava como derrotado. Dava, portanto, vitória para Wellington Moreira Franco (PDS), apoiado pelos militares.
Brizola soltou o grito, de que seria derrotado por um esquema de fraude. No primeiro ato, acusou a Proconsult, contratada do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) para totalizar os mapas dos votos fechados nas mesas de apuração. E que, portanto, uma derrota sua iria contra pesquisas de campanha e boca de urna do, então poderoso, Instituto Ibope.
Mas, o Sistema JB – “Jornal do Brasil” e “Rádio JB” – designara jornalistas para uma totalização paralela dos mapas. Eles se revezavam ao lado dos mesários. Também totalizavam os mapas dos “votos oficiais” e os veículos publicavam. Desde a primeira hora, rádio e jornal divergiram dos boletins da Proconsult.
Foi, então, que as apurações do Sistema JB constataram uma fraude: computadores da empresa paga pelo TRE-RJ somavam pró-Moreira Franco votos brancos e nulos. O PDT também adotou um computador e consolidou a desconfiança do seu candidato.
Por sua vez, o Sistema Globo – Jornal, Rádio e TV – optou por veicular boletins com as projeções de um resultado final entre a Região Metropolitana e o interior do Estado. Mas, em cima dos boletins da Proconsult. O candidato da situação era mais votado em algumas regiões do interior. Assim, portanto, seria criado o clima de “tendência” da derrota de Brizola.
Os resultados oficiais distanciavam Brizola da vitória. Mas, o Sistema JB defendia sua contagem. E isso, então, bancou o grito do político gaúcho. A pressão na opinião pública, por conseguinte, cresceu contrária à Proconsult e ao Sistema Globo.
Enfim, mais de uma semana depois das eleições, o TRE-RJ cedeu. Apuração refeita e a fraude apareceu. Brizola, portanto, cresceu nas estatísticas oficiais e venceu.
As edições (com cadernos diários “Eleições”) do “Jornal do Brasil”, de 16 a 29 de novembro de 1982, mostram a postura do “Sistema JB”. São, então, um espelho de como a opinião pública (no país e exterior) se moveu, a pressão sobre o TRE-RJ, o empenho de Brizola e a desmontagem da fraude da Proconsult. A partir do link abaixo, para acessar as edições diárias basta crescer a dezena a partir de 222.pdf. Por exemplo: com final 223.pdf, a edição do dia 17. Assim por diante.
A fraude da Proconsult e o envolvimento do Sistema Globo alimentaram dezenas teses nas universidades. Portanto, bem guardados em bibliotecas acadêmicas.
Teses: O caso Proconsult: embates na apuração das eleições para o governo fluminense em 1982 e O caso Proconsult não morreu. Livro: O caso Proconsult – A história da tentativa de fraude que caiu no esquecimento.
Moreira Franco nasceu em Teresina (PI). Mas, vive no Rio de Janeiro desde 1955. Casou com uma das netas de Getúlio Vargas e filha de Amaral Peixoto, ex-governador do antigo Estado do Rio de Janeiro (antes da fusão com a Guanabara).
Filiado ao MDB, se elegeu, em 1974, deputado federal do Rio de Janeiro pelo MDB, partido de oposição no bipartidarismo criado pela ditadura. Depois, venceu na prefeitura de Niterói (RJ). Mas, migrou para o PDS e, em 1986, entra no PMDB (novo nome do MDB), e se elegeu governador do Estado do Rio.
Com Michel Temer sucedendo Dilma Rousseff (afastada em maio de 2016, cassada em agosto), Moreira Franco vira ministro. Desfila como um dos mais influentes do Planalto. O PMDB retoma a sigla MDB. Contudo, fora do poder, ele e Temer (duas vezes) são presos e soltos na Operação Lava Jato.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é genro de Moreira Franco e filho César Maia – ex-secretário de Fazenda de Brizola. César, ex-exilado político, foi deputado federal pelo PDT de 1987 a 1992. Fez, portanto, escala para virar prefeito, em 1992, mas pelo PMDB. E repetiu a façanha, mas pelo PFL, em 2001 a 2008. Está no DEM.
Rodrigo Maia criou uma candidatura (Baleia Rossi, MDB-SP) à sua sucessão na Câmara. É, portanto, de oposição ao nome apoiado (Arthur Lira, PP-AL) por Bolsonaro.
O presidente da Câmara nasceu no Chile, onde o pai esteve exilado, durante a ditadura. Por isso, sempre que olha para ele, o ponteiro da memória faz Bolsonaro viajar até Brizola.
MATÉRIAS RELACIONADAS:
A farmacêutica Cimed & Co. S.A. segue com política de “reforço de capital de giro”,…
A Capital World Investors (CWI), administradora norte-americana de ativos, encolheu a participação na Equatorial S.A,…
A socióloga Rosângela Lula da Silva (PT-PR), mais uma vez, desfila de fogo amigo contra…
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (Democrata), nos 60 dias que lhe restam de…
O GSI é, digamos assim, um nano quartel de generais de “elite” cravado no coração…
Dono do Grupo MRV (construtora), do Banco Inter e de empresas de comunicação, o empreiteiro…
Ver Comentários
Interessante! um dos pilares do serviço público é a transparencia. Pelo que ouço, ninguém quer abolir o voto na urna eletrônica e sim, apenas uma forma de auditagem caso necessário. Ao meu ver, quanto mais transparencia melhor e por aqui, parece que não querem mecanismos que promovam mais transparencia. Isto induz a pensar que querem mesmo deixar brechas para possíveis fraudes .... CANALHICES TUPINIQUINS....
Está errado! Ao contrário da notícia, Joe Biden é Democrata e Trump é Republicano! E não ao contrário.
Muito obrigado. Corrigido.