Política

Dia do servidor público – que futuro queremos?

Humberto Lucchesi de Carvalho*

Imaginem um futuro distante e distópico em que o projeto neoliberal venceu: os servidores públicos foram extintos dessas terras. Está tudo entregue ao capital e à iniciativa privada. Os hospitais públicos estão vazios. Em seu lugar crescem startups de saúde, prometendo milagres (desde que se pague o preço certo). A propósito, cuide bem da sua saúde e reze a Deus para não precisar de um tratamento médico: um simples braço quebrado irá lhe custar alguns milhares de reais. Uma doença que demande um tratamento de longo prazo… pode esquecer.

O ensino e a educação se tornaram privilégio de poucos. Afinal, o capital determina que precisamos de mais braços que cérebros. Aprenda um ofício, mas não aprenda a pensar criticamente. Assim é mais fácil manter o status quo de alienação e exploração que estamos inseridos.

O sistema financeiro cooptou de vez o Legislativo. Os parlamentares não refletem a composição da população. Os eleitos são aqueles que tem o patrocínio e incentivo do poder econômico, e, em contrapartida, não governam para o povo, mas sim para o capital que os ajudou a eleger.

A arrecadação tributária agora está a cargo de complexos escritórios de contabilidade com seus auditores privados. Denúncias de benefícios fiscais odiosos e de aumento da sonegação se avolumam. As contas das grandes corporações recebem a pecha do “sigilo”.

O Poder Judiciário foi desmantelado e reduzido a pó. A Jurisdição foi entregue de vez às câmaras privadas. O volume de processos diminuiu significativamente. Não porque temos mais justiça, mas sim porque o cidadão comum simplesmente não consegue arcar com os custos para mover a máquina de lucro que se tornou o Judiciário.

Direito e Justiça nunca estiveram tão apartados. A segurança pública foi desmantelada e a gritante desigualdade social tornou nossa sociedade ainda mais perigosa e violenta. Aqueles que podem, cercam-se de empresas de segurança privada, condomínios fechados e adquirem seu registro de CAC. Os demais, são jogados à própria sorte.

A quem esse mundo favorece? Será que a população no geral, os trabalhadores, os necessitados, os pobres, os enfermos, os desvalidos, se veem mais ou menos representados num mundo assim?

Por outro lado, quem ganha com os serviços públicos totalmente entregues à iniciativa privada? Certamente alguns poucos detentores do poder econômico que controlarão tudo e todos, no objetivo de lucrar cada vez mais.

Felizmente essa distopia AINDA não existe. Mas é alarmante que estejamos caminhando a passos largos em sua direção. Seguidas reformas da previdência, teto dos gastos, privatizações a toque de caixa, falta de concursos públicos, contingenciamento de recursos, e, mais recentemente, a famigerada Proposta de Reforma Administrativa. Uma série de atos de governo direcionados a promover o desmantelamento do serviço público, seja em nível federal, estadual ou municipal.

Servidores, sindicatos e associações civis encontram-se na linha de frente, na resistência a essas nefastas “políticas” públicas. Mas é preciso mais.

• Mais mobilização.

• Mais consciência de classe, e por conseguinte, consciência

política.

• Mais diálogo, com os divergentes inclusive.

• Mais direitos, aliás, nenhum direito a menos, fruto da vedação ao retrocesso social.

• Mais valorização: condições dignas de trabalho, manutenção do poder de compra dos vencimentos e proventos, reajustes, revisão geral anual, concursos públicos e proteção à saúde dos servidores.

• Mais proximidade: que a sociedade civil perceba que o serviço público está ali para atendê-lo, sendo ferramenta de transformação social e de garantia do mínimo existencial e da dignidade que todos merecem.

O filósofo Zygmunt Bauman afirmou certa feita que “a verdadeira libertação requer hoje mais, e não menos, da “esfera pública” e do “poder público”. Agora, é a esfera pública que precisa desesperadamente de defesa contra o invasor privado – ainda que, paradoxalmente, não para reduzir, mas para viabilizar a liberdade individual”.

O caminho é árduo, repleto de desafios e obstáculos. A luta pela valorização do serviço público é diária. O dia do servidor público deve sim ser celebrado para homenagear os milhares de brasileiros que diariamente fazem de seu ofício uma ferramenta para construção de um Brasil melhor.

Ao mesmo tempo, é um importante momento de reflexão. De onde viemos, como estamos e para onde estamos indo. Que futuro queremos – para nós e para nosso país?

A distopia neoliberal e a efetivação do Estado de Bem-Estar Social e da Constituição Cidadã encontram-se equidistantes no horizonte. Cabe a nós escolher qual caminho trilhar.

PARABÉNS PELO DIA DO SERVIDOR PÚBLICO.

(*) Advogado, mestre em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da UFMG e presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Expressão da OAB Minas

da Redação

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