Esse o significado elementar da obrigatoriedade do voto no Brasil. O Estado obriga (dever impositivo) os cidadãos a comparecerem às urnas. Pela legislação brasileira, então, a ausência injustificada gera multa e um leque sanções.
A visão tacanha do Congresso Nacional mantém como justo punir cidadão que não confie em nenhum candidato listado regularmente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Essa retaliação começa com impedimento de prestar concurso público. E segue um rosário: não obtenção de passaporte e Carteira de Identidade; suspensão do salário (se vinculado do serviço público); não renovação de matrícula em instituição pública de ensino; etc.
Em 2010, apenas 17 países aplicavam regras punitivas vinculadas às eleições. Em 2014, dos 236 países do mundo com eleições regulares, 31 continuavam com a imposição do voto. No ano passado, quando o Brasil foi às urnas, a situação se repetia em 38 países.
Deputados e senadores no “maria vai com as outras”
O voto obrigatório sobrevive porque deputados federais e senadores, ao longo de décadas, atuam no Congresso Nacional no banho do maria vai com as outras (uso popular). Advogam que “a tradição brasileira e latino-americana é pelo voto obrigatório”.
As relações impositivas e punitivas do voto e o alinhamento à “tradição” regional estão bem definidos no estudo “Vantagens e desvantagens do voto obrigatório e do voto facultativo”. A publicação, de abril de 2014, pertence ao próprio Congresso.
O autor, o consultor Paulo Henrique Soares e integrante da Coordenação de Estudos da Consultoria Legislativa do Senado Federal, agradou e desagradou posições opostas. A câmara alta do Congresso, entretanto, lavou as mãos: “não reflete a opinião do Senado”.
Mesma opressão do voto desde a ditadura Vargas
Paulo Henrique Soares observa que a discussão do voto obrigatório é tema sempre recorrente “após os pleitos eleitorais”. Estamos, então, em mais uma temporada.
O Brasil mantém a regra há 92 anos. Segue conforme o concebido pelo então ditador Getúlio Vargas. O consultor do Senado, portanto, às vésperas do pleito municipal de 2004, acendeu holofotes para mais uma balela constitucional, a da “soberania e a supremacia do Povo”.
“A atual Constituição brasileira manteve a tradição do voto obrigatório iniciada com o Código Eleitoral de 1932. Os debates sobre o voto facultativo durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte foram intensos, e prevaleceu a visão de que, nesse aspecto, o Estado é o tutor da consciência das pessoas, impondo sua vontade a vontade do cidadão até mesmo para obrigá-lo a exercer sua cidadania, inobstante nossa própria Carta Política consagrar, como as demais do mundo civilizado, a soberania e a supremacia do Povo sobre o Estado, pois é do Povo que emana o poder, e só o Povo é soberano”.
Paulo Henrique Soares destacou contrapontos em alas pela manutenção e o fim do voto obrigatório. Na primeira, a tese de que “o exercício do voto é fator de educação política do eleitor”. Visão, todavia, diametralmente oposta da segunda: “é ilusão acreditar que o voto obrigatório possa gerar cidadãos politicamente evoluídos”.
Congresso é um fiel depositário dos atrasos
A questão do voto obrigatório no Brasil oferece inúmeras referências em debates e de publicações. Algumas situam o Brasil na minoria dentro das Américas (por regiões), e Caribe e o restante do mundo. Mostram que pouquíssimos países evoluídos mantêm essa linha. Até ditaduras latino-americanas abriram mão.
Em 2010, a poucos dias da eleição que manteve o PT no poder, com Dilma Rousseff (PT-RS), a opinião pública sinalizou que era o momento do debate.
Mas, os interesses pessoais dos deputados e senadores, assim como em outras esferas dentro e fora da Praça dos Três Poderes, pressionam contra, em corrente pelos atrasos. Essa praga chega nos municípios.
A exatos 30 dias das eleições de 2014, a TV e Rádio Câmara revelou que o Congresso apodreciam na gaveta dos mofos 23 projetos de lei (PL) pelo fim do voto obrigatório. Mesmo expressivo, o conjunto dos PLs representava, entretanto, queda de quase 50% comparado com as 40 Propostas de Emendas Constitucionais (PECs), em 2012.
Gabeira põe o bode nos gabinetes políticos e Redações
Os jornalistas (repórteres, editores e comentaristas) de Política conhecem cada carimbo dado nesses expedientes dentro Congresso e suas paralelas. Entretanto, ignoram.
O experiente jornalista e ex-deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), entretanto, salva parte da pátria. Ele, sem reservas, põe o dedo na ferida de todo o universo que envolve a política brasileira.
30% deram de ombros para o voto
O relatório final do TSE para o 2º turno das eleições municipais, há dois meses, deu um retrato fiel da relação do eleitor com os candidatos: 29,26% não compareceram às urnas. Ou seja, 9,9 milhões de votos ficaram longe das urnas – em casa, praias, bares, hospitais, praças, estradas, …
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