A falta de caixa no Governo de Minas Gerais pode, às vezes, explicar aceitação (e/ou avaliação) de ajuda proposta pela iniciativa privada. O governador Romeu Zema (Novo) assumiu (2019) uma administração na lona. Porém, a partir daí, acenar com a possibilidade de permitir a ingerência privada, mesmo que indireta, nas entranhas da máquina pública, o cenário muda. E pode ganhar contorno de lipoaspiração política na administração, principalmente véspera de ano eleitoral (2022).
Ajuda de R$ 3 bilhões que virá para Minas vai servir para tampar pequenos buracos
Todavia, a partir deste ano, administração de Minas não está totalmente quebrada para obras. Por conta da tragédia (2019) na Mina Córrego do Feijão, em Córrego do Feijão, Brumadinho (MG), o Estado entrou pesado no caixa bilionário do Acordo Global de Brumadinho, imposto à pela Vale S/A, em fevereiro, de R$ 37,7 bilhões. É nele, então, que Zema surfará com obras nas urnas das eleições do ano que vem.
Nesse contexto amplo, cabe, portanto, colocar holofotes sobre publicações intituladas “comunicado de manifesto de interesse”, que direcionam “doações” à administração estadual. Algumas são, até mesmo, simplórias. Entretanto, cabe colocar lupa no percurso de todas – origem, meio e fim.
DER-MG cresce no olho do empresariado
Há, por exemplo, o “comunicado” da Secretaria de Planejamento e Gestão relativo à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) que chama atenção. O Governo Zema informa que a federação fez “manifesto de interesse de doação” para um “serviço”. Mas, ela remete o olhar para o risco da incursão na máquina pública, principalmente quando o Governo de Minas passa a gerir R$ 11,06 bilhões da verba da Vale.
A eventual situação de risco aparece em trecho da publicação da Secretaria: “… doação trata-se de serviço relativo ao Projeto de Diagnóstico e Reestruturação Organizacional do Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem do Estado de Minas”.
Metamorfose no caixa das obras
Onde estaria o risco de ingerência? Na prática, o DER-MG, vinculado à Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade, não é mais a mesma autarquia que, no passado, abria, pavimentava e fazia manutenção de rodovias. Hoje, portanto, é tudo aquilo e muito mais: principal caixa das atribuições das extintas Secretarias de Transportes e de Obras.
O DER-MG, portanto, é o guichê Nº 1 das relações comerciais dos projetos do Governo de Minas. Verticaliza os gastos com verbas próprias (receitas tributárias e roaylties), repasses da União e de contratações de créditos no país e exterior. Em política, a mão estendida não é coisa de amadores. Nessa arena, então, o ingênuo é artigo extinto.
O “manifesto” da Fiemg, descrito pela Secretaria de Planejamento e Gestão, “abrange”, pelo projeto:
- mapear o ambiente organizacional do DER-MG;
- redesenhar e planejar a implementação de nova estrutura organizacional no DER-MG que seja mais flexível, alinhada aos objetivos organizacionais e em conformidade com as regulamentações e gestão;
- definir o quantitativo e perfil desejados da força de trabalho necessária para os objetivos e estratégia do DER-MG;
- elaborar proposta de reestruturação atual do plano de carreiras do Grupo de Atividades de Transportes e Obras Públicas que seja atraente para o servidor, sustentável para a Administração Pública e coerente com o planejamento estratégico governamental.
Interesses de sindicatos e empresas
Muito interessante o gesto da federação. Mas, se deve ignorar, entre tantos aspectos, o seguinte: a Fiemg reúne sindicatos que representam empreiteiras da construção civil e pesada. Ou seja, empresas ligadas à abertura de estradas, construção de pontes, aeroportos, ferrovias, prédios residenciais, comerciais e industriais etc.
Além disso, perguntar não ofende: a Fundação João Pinheiro (FJP) e a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), da administração direta do Governo de Minas, não teriam expertise de sobra para atender? Esta opção evitaria, evidentemente, o Governo Zema de novos arranhões políticos?
Entre várias versões a uma frase atribuída ao 1º ditador do golpe militar de 1964, marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, está: “De gente de boas intenções, o cemitério está cheio”.
O gesto da Fiemg poderá passar léguas das desconfianças e daquilo que fez a FDG (ver abaixo). Mas, “na política e publicidade, o que parece é”. Essa frase foi cunhada no Japão.
Bode fedorento na porta do gabinete
De toda forma, o comunicado da Secretaria de Estado traz abertura para a “doação” da Fiemg melar. “Outros interessados em doar bens similares ou apresentar eventual impugnação a proposta apresentada deverão encaminhar suas manifestações, até o dia 25/10/2021…”. Isso está no Decreto n° 47.611/2019. Este prevê, também, impugnação direta do serviço público: “Pelo mesmo prazo, fica aberta à apreciação e manifestação de interesse dos órgãos e entidades da Administração Pública direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo”.
Mas, claro, mais umbode fedorento empurra a porta da sala do governador Zema. E, portanto, irritará as narinas da oposição na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). E isso em plena contagem regressiva das eleições gerais de 2022: deputados, senadores (1/3), governadores e presidente da República.
Precedente do Choque de Gestão
No primeiro Governo Aécio Neves (2003/2006), Minas Gerais desfraldou ao país um tal “Programa Choque de Gestão”. O atual senador Antônio Anastasia, então Secretário de Planejamento, era o mestre-sala.
No Choque de Gestão, o Governo de Minas entregou a alma à Fundação de Desenvolvimento Gerencial (FDG): os mailings dos cadastros tributários, as chaves das receitas, despesas e dívidas.
Como se diz na gíria, a dupla Aécio-Anastasia deixou os cofres da Receita Estadual em mãos de calangos. E pior: o produto comprado pelo Estado não se sustentou um trimestre. Mas, nem por isso, os cofres públicos foram indenizados pela FDG, entidade privada.
Plataforma do Déficit Zero
Mas, ficou para história política de Minas Gerais (que não é lá uma brastemp, há meio século) o fiasco (e a fatura) do “choque”. Porém, como manda o rito na política, até métodos insustentáveis comprados merecem festa. Assim, um pomposo café da manhã, em toldo montado nos fundos do Palácio da Liberdade, foi palco da cria de Aécio e Anastasia. Em 23/11/2004, o rega bofe (pão de queijo), bancado pela Fiemg, atraiu a claque.
O governo mineiro, então, anunciava uma contabilidade fajuta do “Déficit Zero” na relação receita/despesa do Estado.
Splits na inciativa privada
A FDG foi cindida. O tal Choque de Gestão deu chabu.
Todavia, os donos da antiga FDG trilharam, depois, por caminhos de sucesso com fundações individuais. Mas, pudera, desembarcaram do Estado com portfólio completo das informações (até as sigilosas) da administração estadual da 2ª economia do país.
Mas existem contratos de confidencialidade. Sim! Mas, nessa área, relembro Castelo Branco.
… e nos votos dos candidatos
Portanto, não é de hoje, que fatos políticos seguem mesma receita. Não se pode ignorar que relação poder público-iniciativa privada cria ambiente político. As partes plantam dividendos futuros.
Nas eleições de 2006, Aécio (PSDB) repetiu a parceria de 2002 com o presidente Lula (PT), ignorando (traindo) candidatos tucanos. Nos dois pleitos, respectivamente, José Serra e Geraldo Alckmim foram bem derrotados em Minas. O mineiro, porém, colocou Anastasia de vice, enquanto o petista repetiu José Alencar (ex-presidente da Fiemg).
Anastasia completou o mandato do chefe. Na sequência, se elegeu governador. Depois, senador.
Culpa da notícia
A imprensa dá conhecimento e comenta fatos. Entretanto, sempre que a notícia desagrada, os políticos querem matar o mensageiro. É assim desde Cabral. E o eleitor, pelos sucessivos boletins de urnas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se dá por satisfeito com seus votos. Enquanto houver eleições, a democracia estará viva ou sobrevivendo.
Capa airbag para motoqueiro
Mas há “doações” ao Estado que não despertam questionamentos políticos. Uma dessas, por exemplo, surge no Conselho Comunitário de Segurança Pública (Consep). Com aparência de ONG, o Consep se propõe a “doar” ao Governo de Minas oito conjuntos de jaquetas airbag e calças para motociclistas.
A Secretaria de Planejamento e Gestão apresenta mesmas condicionantes atribuídas à proposta da Fiemg. Em alguns municípios, o Consep recebe certificação de entidade utilidade pública, como em Ouro Branco, ou seja, assegura que não tem relação de interesse em lucros de segmentos econômicos.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.